BREVE HISTÓRICO DOS ITALIANOS EM TERRAS CAPIXABAS

“Esse povo veio da Itália sem nada, eles non tinha nem dinheiro, nem joia, nem arma. Só os braço pra trabalhá”.¹

O Espírito Santo é considerado, oficialmente, o berço da imigração italiana no Brasil, pois foi em território capixaba que teve início a grande epopeia da imigração italiana para o país.

A inauguração desse processo imigratório se deu em 1874 com a chegada da Expedição Tabacchi, composta por 388 camponeses norte-italianos (trentinos e vênetos).

A expedição, assim denominada em homenagem ao seu empreendedor, chegou à baía de Vitória em 17 de fevereiro de 1874, a bordo do navio La Sofia: embarcação a vapor que transportou, de Gênova à capital capixaba as famílias imigrantes. Também faziam parte desse grupo o médico Pio Limana e o padre Dom Domenico Martinelli, conforme o sociólogo Renzo Grosselli.²

Esses camponeses aceitaram o desafio de trabalhar na propriedade de Pietro Tabacchi, italiano que, desde a década de 1850, possuía uma fazenda nas proximidades da vila de Santa Cruz, no atual município de Aracruz, ao norte de Vitória.

O sucesso dos agenciadores de Tabacchi, na tarefa de arregimentar camponeses norte-italianos para seu projeto, seria o prenúncio do que viria a ocorrer dali em diante. A Expedição Tabacchi inaugura, de fato, em 1874, a grande diáspora de italianos para o Brasil: um fluxo massivo de camponeses que se estendeu por praticamente um século. A partir do ano seguinte, além do Espírito Santo, outras províncias brasileiras passaram a receber grandes levas de italianos em seus portos.

Esse pioneirismo dos italianos em terras capixabas foi reconhecido pela Lei Federal, por meio da Lei 11.687, de 2 de junho de 2008, sancionada pela Presidência da República. O autor da proposta foi o então Senador do Espírito Santo, Gerson Camata (1941-2018), que tinha por objetivo “prestar a devida homenagem ao imigrante italiano, que, vindo de terras tão distantes, aqui se instalou e se fez gente nossa”.

Mas, esses pioneiros italianos se rebelaram contra as cláusulas abusivas do contrato com Pietro Tabacchi, na fazenda Nova Trento (Aracruz). Num gesto de revolta, abandonaram Santa Cruz e exigiram serem transferidos para as colônias oficiais, para assim trabalhar em terras de sua propriedade.

Um grupo seguiu para as colônias do Sul do Brasil, enquanto outros 145 italianos, que estavam hospedados em barracões em Vitória, à espera de um destino, aceitaram a proposta do governo do Espírito Santo para se instalar na Colônia Imperial de Santa Leopoldina.

No acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – APEES, existem centenas de documentos que testemunham esse importante fato histórico. Parte dessa documentação, esclarece que a colonização italiana em Santa Teresa (Núcleo do Timbuhy – na antiga Estrada de Santa Tereza) teve início entre os meses de maio e outubro de 1874. Com base nesses documentos do Arquivo Público foi instituída a Lei Federal n. 13.617, de 11 de janeiro de 2018, que reconhece, oficialmente, a cidade de Santa Teresa como a pioneira da imigração italiana no Brasil.

Aos poucos, essas primeiras famílias foram conduzidas, em pequenas canoas, via Rio Santa Maria da Vitória, ao então Porto do Cachoeiro de Santa Leopoldina (junto ao local até onde era possível a navegação). A partir desse ponto de desembarque, o trajeto deveria ser percorrido em trilhas abertas em meio à floresta, a pé ou em lombo de animais, até se alcançar os lotes agrícolas, no Núcleo do Timbuhy, um anexo da citada colônia, em território do atual município e cidade de Santa Teresa.

Essa trilha se alargou e transformou-se na Estrada 080-ES, que une as cidades de Santa Leopoldina e Santa Teresa, um percurso de 30 Km. Nesse percurso, desde 2004, quando se comemorou os 130 anos da imigração italiana, sempre no dia 01 de maio, é realizado o evento Caminho do Imigrante .

Em anos anteriores aos colonos de Tabacchi, porém, entraram no Espírito Santo pelo menos 42 itálicos, conforme dados do Projeto Imigrantes Espírito Santo, do Arquivo Público. O caso mais representativo foi a vinda de 29 colonos sardo-piemonteses, pertencentes ao Reino da Sardenha, para a Colônia de Santa Isabel, em setembro de 1858, oriundos da província de Torino, na região do Piemonte, antes da Unificação da Itália.

Mas, esse e outros grupos de italianos que vieram para o Brasil antes de 1874 configuram uma imigração pontual; são casos isolados, intercalados. A Expedição Tabacchi dá início ao maior fluxo de imigrantes italianos para o Brasil, num processo contínuo, que se estende por praticamente um século, período em que se observa a movimentação de milhões de camponeses, artesãos, operários nos portos italianos, embarcando em grandes transatlânticos em busca de novas oportunidades para as futuras gerações em terras brasileiras, fugindo da miséria que à época assolava a península itálica.

 

ORIGEM E DESTINO DOS IMIGRANTES

“Eles viero pra cá porque dissero a eles que aqui no Brasil era fartura de tudo. As mulhé dizia assim: ‘Ndemo in te Brasile che la catemo i ovi di travessi pieni’. Eles dizia que naquela época na Itália se comia um ovo em 7 pessoa: ‘Si ciapava la polenta, ciuciava l’ovo un per un.’ Sete pessoa comia” .

A Itália, recém-unificada, era um país desconexo, com altas taxas demográficas e uma grande massa de desempregados. O custo elevado das guerras de unificação, aliado ao avanço do capitalismo no campo, em uma nação eminentemente agrícola, ainda em processo de transição do regime feudal, trouxe em seu bojo a miséria e a fome para os camponeses. Sem alternativas, partiam em massa para realizar o sonho de far la Mèrica.

Essa oferta considerável de mão de obra abria um grande leque de oportunidades para os países do Novo Mundo, que por sua vez necessitavam de gente para trabalhar o seu vasto território. Foram interesses que se entrecruzaram.

O poder público atuava diretamente nesse empreendimento. Contratos eram firmados entre os agenciadores, transportadores e os governos das nações envolvidas. A imigração italiana então passou a ser o “negócio do século”. 5

Já em 1875, as partidas dos transatlânticos de Gênova e de outros portos da Europa, como Le Havre, na França, repletos de imigrantes, se torna rotina. Inicia-se então a imigração oficial, patrocinada pelos governos provinciais e pelo Império do Brasil. Grandes levas de italianos são destinadas às províncias do Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O fim do regime escravocrata impulsionou ainda mais esse fluxo, sendo então direcionado às fazendas de café de São Paulo e do sul de Minas Gerais, que passaram, então, a concentrar os maiores números de camponeses italianos.

Até o ano de 1900 verificou-se a entrada de 34.925 imigrantes italianos para os portos do Espírito Santo. 6

Encontram-se no Espírito Santo representantes de todas as regiões da Itália, mas a preponderância é para aquelas do norte (Vêneto, Lombardia, Trentino-Alto Ádige, Emilia-Romagna, Piemonte, Friuli-Venezia Giulia, Liguria e Vale d’Aosta), que, juntas, forneceram 92% dos imigrantes. As regiões do centro contribuíram com 6% e as do sul, com 2% dos italianos.

Tabelas dos números de imigrantes italianos no Espírito Santo conforme as regiões e províncias de origem (Fonte: FRANCESCHETTO, Cilmar. “Italianos: base de dados da imigração italiana no Espírito Santo nos Séculos XIX e XX). APEES (coleção Canaã vol. 20). Vitória (ES), 2014. 6

O império brasileiro patrocinava ou subsidiava, direta ou indiretamente, a vinda dos imigrantes. Dentro desse contexto, é de se verificar a necessidade de se registrar oficialmente os procedimentos: ofícios, cartas, contratos, relatórios, listas de passageiros dos navios, passaportes, entre tantos outros documentos que produzidos, são então guardados e arquivados: provas dos investimentos do erário público nesse empreendimento. Era necessário contar, numerar, dimensionar. Criar estatísticas para o melhor planejamento e deste modo poder governar. O acervo documental sobre colonização em terras capixabas está guardado pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Também o Arquivo Nacional e os familiares possuem muitos dos documentos que comprovam esse considerável fluxo migratório.

A tabela abaixo informa as comunas que mais contribuíram com imigrantes italianos para o Espírito Santo. (Fonte: livro “Italianos…”)

No século XIX e início do XX, vários núcleos de colonização foram criados ou expandidos. As fazendas escravocratas do sul espírito-santense e de São Mateus, ao norte, após a Abolição, passam a ser o principal destino dos italianos. As obras públicas da capital e a construção de estradas de ferro também atraem uma fatia dessa mão de obra.

Em 1895, a imigração para o Espírito Santo é proibida pelo governo italiano. Muitas vidas foram ceifadas nas colônias criadas pelo Estado na época, com destaque para o Núcleo Moniz Freire, demarcado às margens do rio Doce, em terrenos alagadiços, onde proliferavam os mosquitos que transmitiam a febre amarela aos colonos: o calvário dos italianos no Espírito Santo. Esse ato coincide com a crise econômica no Estado que não dispunha mais de recursos suficientes para continuar patrocinando a importação de novas levas de imigrantes. A partir de 1897, as entradas de famílias estrangeiras entram em franco declínio.

Veremos mais adiante a tabela com os dados estatísticos de como foram distribuídos esses imigrantes no território capixaba. (Fonte: livro “Italianos…”).

Quanto à distribuição dos imigrantes por região, verifica-se que 48,5% destinaram-se ao sul capixaba, (do rio Itabapoana aos afluentes do Benevente); 33,8% para o centro, (dos afluentes do Jucu ao rio Doce); e 5,7% para o norte do Estado, às margens do rio São Mateus. Vitória e arredores foram o destino de 9,4% do total de italianos. Outros 2,6% destinaram-se à construção das estradas ferroviárias.

Desse modo, verifica-se que as regiões capixabas que mais receberam italianos foram aquelas onde estavam localizadas as colônias oficiais, com cerca de 57% dos imigrantes. O segundo foco que mais atraiu os italianos foram as áreas onde estavam localizadas as fazendas de café, cujos proprietários haviam utilizado a mão de obra escrava em suas lavouras. Assim, o fluxo de entrada para esses locais tem grande ênfase a partir de 1888, ano em que é abolida a escravidão. Pelo menos 9.000 italianos são destinados às ex-fazendas escravocratas onde se empregaram, preferencialmente, em regime de parceria, ou como diaristas, o que equivale a cerca de 27% do total dos imigrantes dos quais se conhece o destino.

Aqueles que permaneceram em Vitória, pouco mais de 3.000, foram empregados em obras públicas, a exemplo da Comissão de Melhoramentos da Capital; nas empresas como a Companhia Torrens e a Leon. Outros se estabeleceram em propriedades agrícolas e residências de particulares. As obras de construção das ferrovias também se utilizaram da mão de obra italiana. A maioria dos trabalhadores contratados para atuar na construção das estradas de ferro veio das regiões de Abruzzo e do Trentino Alto-Ádige, 359 e 270 operários, respectivamente.

No século XIX, de cada quatro imigrantes que desembarcaram nos portos espírito-santenses, três eram provenientes da Itália, ou seja, 75% do total em relação às outras nacionalidades. A entrada de imigrantes italianos no Estado se prolongou pelo século XX, pelo mesmo até a década de 1970. Em números bem reduzidos, porém, comparando-se com o século precedente.

 

1 – Depoimento de Euzaudino Venturin. In LAZZARO, Agostino, FRANCESCHETTO, Cilmar e COUTINHO, GlecI Avancini. Lembranças Camponesas: a tradição oral dos descendentes de italianos em Venda Nova do Imigrante. Vitória. Projeto Recies, 1992, p. 151.

2 – GROSSELLI, Renzo M. Colônias Imperiais na Terra do Café: camponeses trentinos, (vênetos e lombardos) nas florestas do Espírito Santo – 1874-1900. Vitória. APEES, 2008. Obra de referência, obrigatória para o estudo da imigração italiana no Espírito Santo. O autor realizou pesquisas científicas em arquivos da Itália e do Brasil. Publicou trabalhos sobre o mesmo tema em Santa Catarina, no Paraná e em São Paulo, dentre outras obras sobre a emigração italiana, especialmente dos trentinos.

3 – O evento foi idealizado pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. A realização fica por conta das prefeituras de Santa Leopoldina e de Santa Teresa e diversos parceiros. Cerca de três mil andarilhos participam a cada edição do evento. Site: www.caminhodoimigrante.es.gov.br

4 – Depoimento de Avelino Zorzal. In: LAZZARO, Agostino, FRANCESCHETTO, Cilmar e COUTINHO, Gleci Avancini. Lembranças Camponesas… p. 142.

5 – GROSSELLI, Renzo M. Colônias Imperiais na Terra do Café: camponeses trentinos, (vênetos e lombardos) nas florestas do Espírito Santo – 1874-1900. Vitória. APEES, p. 82.

6 – Franceschetto, Cilmar. Italianos: base de dados da imigração italiana no Espírito Santo nos séculos XIX e XX. Vitória. APEES (Coleção Canaã v. 20). 2014. Números, percentuais e as tabelas utilizadas às páginas 108 a 111.